Comentários sobre filmes e séries de tv
 
O psicopata mora ao lado

O psicopata mora ao lado

meteorologia: calor demais (ou será a febre?)
pecado da gula: mousse de maracujá
teor alcoolico: 2 smirnoff ice (beeeem geladas)
audio: michael bublé
video: pipoca e nanquim videocast #92

Psicopatas sempre rendem personagens muito interessantes. Em livros, ou filmes, destacam-se com facilidade dos demais. E, por conseguinte, são um ótimo assunto para se discutir, seja num papo de bar ou num post. Contudo, diferente deste, que me serviu de inspiração, não pretendo discorrer sobre o fascínio exercido por psicopatas famosos e listar meus prediletos.

Gostaria de focar num dos detalhes que alguns dos filmes possuem em comum e que os torna ainda mais instigantes. Tomemos como exemplo “The silence of the lambs” (desconsiderando sequências e pre-quels). É indiscutível que Hannibal Lecter é um personagem extraordinário. Conforme comentado no post citado acima, boa parte do impacto deve-se justamente a ausência de motivos. É muito mais instigante que não exista uma explicação racional. Mais instigante e mais perturbador.

Perturbador também é Anton Chigurh, o assassino em “No country for old men”. Chigurh, longe de ter a politesse de Lecter, compartilha de sua falta de remorso. É totalmente desprovido de senso de humor, além de mostrar-se indiferente ao sofrimento alheio. De modo simplista, sua motivação é o pagamento, já que foi contratado para executar um serviço. Porém, Chigurh parece ter vocação praquilo. Creio que o personagem certamente perderia todo o charme, todo o appeal, se deixasse de ser uma incógnita. Se em algum momento do filme tivesse sido inserido um flashback explicando por que ele é do jeito que é, todo o encanto se desvaneceria. Quando digo encanto, certamente não pelos atos praticados, mas pela complexidade da personalidade do personagem.

No caso dos filmes – ou livros – acredito que, a menos que seja muito bem elaborado e que colabore com a trama, a existência de motivo chega a esvaziar o impacto causado pelos atos do psicopata. Em “Funny Games”, por exemplo, o diretor provoca o espectador, fazendo chacota dessa necessidade de existir uma motivação. Quando Tom pergunta por que os rapazes estão fazendo aquilo, Paul desfia – em tom de deboche – a lista usual de experiências do passado que em geral justificam estórias assim: infância infeliz, má-educação, instabilidade sexual, ressentimento social. Diz tudo e não diz nada ao mesmo tempo.

Mas por que não considerar que o personagem pode ser um maníaco sem qualquer motivação externa? Por que há a necessidade de um motivo? Percebo essa relutância de aceitação não só em filmes e livros, mas na vida real também.

Qual a dificuldade de conceber que a pessoa seja apenas um maluco? Alguém que nasceu com uma alteração genética que a faz agir desse modo.

Por que desconsiderar a possibilidade de que o psicopata seja simplesmente alguém com uma alteração neurológica que o fez acordar um dia com vontade de sair atirando a esmo? Assim como a gente acorda um dia com vontade de comer churrasco, ou andar de bicicleta, por exemplo.

Por que é tão difícil aceitar que a crueldade e a violência façam parte da natureza do psicopata? Assim como o dom para a música ou para algum esporte faz parte da natureza de outros. Por que é facil aceitar que alguém seja um músico talentoso sem ter um motivo pra isso?

E quando digo motivo, refiro-me a um agente externo, já que considero que a causa primordial seja uma variação genética que acarreta uma alteração neurológica. E essa alteração neurológica pode ser um talento diferenciado ao jogar bola – como um craque do futebol – ou um impulso à prática da violência – como um psicopata.

Quando ocorre algum evento envolvendo um ato psicótico de algum indivíduo, inicia-se a busca por um motivo. “N” possibilidades e razões são aventadas, algumas tidas levianamente como o real estopim das ações: jogava muitos vídeo games violentos, ficava lendo folhetos da Al-khaeda, ou assistiu “Matrix” antes de sair de casa. Mas se um músico talentoso sai de casa e vai se apresentar de surpresa em algum local e toca de maneira extraordinária, fora do comum, como nunca havia feito antes, pode até ser que vire notícia, pelo inesperado da apresentação. Mas certamente ninguém, nenhum repórter ou detetive sairá à procura de motivos pra ele ter agido dessa forma. Não serão tecidas teorias mirabolantes do tipo “Ah, ele veio ouvindo a 9a. Sinfonia de Beethoven a caminho do teatro e teve uma inspiração súbita” ou assistiu “Amadeus” antes de sair de casa. Essa alteração do comportamento é perfeitamente aceitável.

Obviamente, não é razoável descartar a influência do ambiente em ambos os casos. Mas também não quer dizer que o meio sempre tenha responsabilidade em desencadear os atos do psicopata. É quase uma necessidade considerar que exista uma causa palpável, senão teríamos de confrontar a possibilidade de que, por exemplo, alguém pode ser violento “per se”. Isso é bastante perturbador, pois leva-nos a concluir que se pode ser da natureza de uma pessoa ser gentil e bondosa, também pode ser da natureza de outra pessoa ter impulsos assassinos. No caso do psicopata é mais fácil e cômodo procurar motivos “concretos”, pois dá a segurança de acreditar que não é qualquer um que pode agir feito um maníaco a qualquer momento. Caso contrário, teríamos de conviver com a possibilidade de que qualquer um, independente do meio quem que viveu, independente de razões passionais ou de vingança, poderia despertar um psicopata, apenas pelo simples e trivial desejo de matar.

OBS.: Para os interessados em filmes cujos personagens são psicopatas, além de ler o post já citado, assistam também um videocast da galera do Pipoca e Nanquim sobre o assunto.

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