Comentários sobre filmes e séries de tv
 
Incendies

Incendies

Incendies (2010)
roteiro e direção: Dennis Villeneuve

Produção franco-canadense, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, é baseado numa peça (de mesmo nome) de Wadji Mouawad. Provavelmente por conta da estreia de Duna, vários filmes de Villeneuve estão passando nos canais a cabo. Revi este há alguns dias e a experiência foi tão intensa quanto na primeira vez a que assisti. Resolvi, então, resgatar uma resenha feita há vários anos para o Cine Masmorra.

incendies

Em Montreal, Nawal Marwan (Lubna Azabal) é mãe do casal de gêmeos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon Marwan (Maxim Gaudette) e sempre tratou ambos com distanciamento. Trabalhava há mais de 15 anos como secretária de um notário, cuja esposa (assim como ele) afeiçoou-se a ela e seus filhos. Nawal faleceu e durante a leitura de seu testamento os irmãos são surpreendidos com alguns dos desejos da mãe. Ela pede para ser enterrada sem caixão, sem lápide, sem epitáfio. Deixou duas cartas, ou melhor, três. Uma a ser entregue por Simon ao pai, que não conheceram e julgavam morto. Outra a ser entregue por Jeanne ao irmão, cuja existência desconheciam. E a última a ser entregue a eles depois das outras duas chegarem a seus destinatários.

Os irmãos reagem de forma totalmente diversa. Enquanto Simon reluta em cumprir as disposições do testamento, querendo simplesmente dar à mãe um enterro convencional e seguir com sua vida, Jeanne entrevê a possibilidade de descobrir e entender a causa do silêncio de sua mãe nas semanas que anteceram sua morte, assim como de aprender sobre sua própria origem e a de sua família. E Jeanne viaja para o Líbano a fim de iniciar sua busca pelo passado.

Inicialmente, pode parecer que se trata de um misto de filme de detetive e road-movie. Mas é muito mais que isso. O público acompanha duas linhas temporais: a viagem de Jeanne à procura de informações e a jornada de Nawal desde sua juventude. A alternância entre elas não gera confusão, ao contrário, as narrativas são complementares. As revelações são feitas aos poucos, sem pressa. E o espectador descobre, junto com Jeanne, os motivos que levaram Mawal a ser tão distante e a manter esses segredos durante todo o tempo.

A peça em que se baseia o filme foi inspirada na estória de Souha Béchara, membro da resistência libanesa, que atualmente mora em Genebra. O pano de fundo da estória é a guerra civil libanesa, os conflitos entre cristão e muçulmanos. Sem nunca nomear quaisquer dos personagens e localidades reais envolvidas, o roteiro evita cair no lugar-comum e tomar partido. Imparcialmente, enquanto o espectador acompanha o desenrolar da estória de Nawal, presencia a violência que passou a fazer parte do dia-a-dia da população local. É como se a trajetória dela fosse um resumo do momento histórico que vivenciou tão intensamente.

“L’enfance est un couteau planté dans la gorge, on ne le retire pas facilement.”
(frase do testamento de Nawal Marwan)

(“A infância é uma faca enfiada na garganta que não é retirada facilmente.”)

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