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Django… the “D” is silent

Django… the “D” is silent

Django unchained (2012) – Django livre
roteiro e direção: Quentin Tarantino
4.5 out of 5 stars

Confesso que, terminado o filme, saí do cinema obrigada. Bateu aquele saudosismo dos anos 80, em que conseguíamos ficar várias sessões seguidas na sala de cinema. Depois da curtíssima cena pós-créditos a vontade era assistir a tudo de novo, para rir mais uma vez das inúmeras piadas de humor negro e tentar perceber outras referências dentre as muitas que Tarantino inseriu no filme.

Que fique clara uma coisa sobre o filme: não é um faroeste, é um faroeste de Tarantino. Dito isto, o que espera o espectador que conhece o estilo do roteirista e diretor ao assistir Django? Diálogos inteligentes, referências e/ou homenagens a outros filmes (não apenas westerns), cenas violentas, críticas ao status quo e humor.

django unchained

Enganou-se quem achou que, por ser um bang-bang, Tarantino veria-se obrigado a moderar no que é sua característica mais marcante: os diálogos afiados. Apesar de menos “ligeiros” que o habitual – justamente para adequação ao estilo do filme – a metralhadora giratória de frases inteligentes não foi deixada de lado. Há alguns extremamente inspirados, como o da cena que abre o filme, nos apresentando o Dr. King Schultz (Christoph Waltz) – que, aliás, é dono das melhores falas durante todo o filme. Bom humor, ironia, sarcasmo, desprezo, bajulação. Tudo junto e misturado num amálgama cujo efeito é segurar o espectador enquanto este aguarda pela próxima cena de ação.

Misturar western e blaxploitation é algo que não sairia da cabeça de ninguém além de Tarantino. E não é do faroeste clássico que se trata, mas sim do faroeste spaghetti. E as referências já dão as caras logo de início, quando os créditos iniciais – formatados conforme os faroestes de “antigamente” – se sucedem ao som da música-tema do Django “original”, de 1966, composta por Ennio Morriconi. Dirigido por Sergio Corbucci, o protagonista é encarnado por Franco Nero que, obviamente, faz uma ponta neste filme. Aliás, aproveitando, é importante destacar que Bacalov fez um trabalho excelente na trilha sonora. Incorporar rap e hip-hop num faroeste sem parecer algo totalmente fora de propósito não é para poucos. E a música incidental também não deixa a desejar. Pode ser apenas mais uma lenda urbana, mas diz-se em alguns sites por aí que Tarantino selecionou as músicas dentre as que ouviu no seu mp3 player enquanto dirigia para as locações de filmagem.

django

A fotografia também se destaca. Paisagens típicas de filmes de faroeste em panorâmicas que remetem a muitos outros filmes. Algumas tomadas diferenciadas que evidenciam o cuidado de não copiar, mas de homenagear o estilo. E os closes, que geraram algumas reclamações, têm sua razão de ser explicada pelo óbvio: porque é um filme de Tarantino e ele gosta disso; e porque é uma homenagem aos westerns spaghetti que faziam uso desse recurso.

Que me desculpem os que reclamam do excesso de violência, de sangue e de vísceras, mas quem reclama disso não entendeu o “espírito da coisa”. Primeiro, a violência não é gratuita – aliás, não há cena gratuita no filme, mesmo as que assim parecem – algumas poderiam ser mais “enxutas”, deixando o filme menos longo. Segundo, a violência é estilizada e seus resultados são exagerados com o intuito – que para mim pareceu claro – de provocar o público, de causar desconforto ao espectador, de fazê-lo refletir – mesmo que rapidamente -, parar e pensar “Caramba, por que estou rindo dessa cena?”. E, lógico, também com o intuito de divertir os fãs do diretor. Afinal, filme de Tarantino sem sangue espalhado na tela não é um filme de Tarantino.

djando... the d is silent

Os personagens centrais – Django, Dr.Schultz e Calvin Candie -, mesmo sendo menos tridimensionais que o habitual nos filmes de Tarantino, crescem aos olhos do espectador devido às atuações inspiradas de Jamie Foxx, Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio, respectivamente. Ouvi e li algumas opiniões sobre a atuação de Foxx, quase reclamando que ele construiu um personagem que passa praticamente dois terços do filme à sombra do Dr. Schultz. Mas é necessário lembrar que, além de a trajetória de Django seguir fielmente a “jornada do herói”, o personagem é um herói em formação. Sendo assim, nada mais natural que a sua presença vá crescendo à medida que o filme avança, culminando com a sequência final em que ele inclusive até já encontrou seu “uniforme de super-herói”.

Com relação às críticas infundadas que Spike Lee fez ao filme – sem tê-lo visto, há algumas observações a serem feitas. É no mínimo idiotice criticar sem ter assistido. Se a intenção dele era chamar atenção, conseguiu. Atenção para si e muito mais atenção para o filme. Sobre o que ele falou – que Tarantino estava sendo desrespeitoso com o tema – há que se observar o seguinte:

  • O filme não é “sobre” a escravidão. A escravidão é o pano de fundo. O filme é sobre um homem em busca de sua amada, tema recorrente em westerns, que é do que realmente se trata o filme.
  • A cena com o grupo racista, um prelúdio da Ku-Klux-Klan, não é apenas a mais engraçada do filme como contém a crítica mais ácida possível tanto à essa organização quanto à escravidão. Não há nada melhor para criticar e desabonar algo do que ridicularizá-lo. E é exatamente isso que Tarantino fez. Tanto o assunto da discussão entre os membros da organização quanto o comportamento deles enquanto discutem exemplificam à perfeição a opinião do diretor sobre o tema.
  • Além disso, Shultz é porta-voz de Tarantino ao declarar, demonstrando sua aversão ao preconceito racial e à escravidão: “Sinto-me culpado.” Bem, se isso é ser desrespeitoso, há que se questionar em que premissas tortuosas Spike Lee se baseou ao fazer tal afirmação.

É inegável que, partindo do premissa que Tarantino sempre faz cinema sobre Cinema, os cinéfilos e principalmente os fãs de faroeste se deliciem assistindo e identificando as referências espalhadas pela trama. Mas nem por isso o filme deixa de ser atraente e divertido para o público “não-iniciado”.

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