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"Your eyes hurt"

"Your eyes hurt"

Killer Joe (2011) – Killer Joe: Matador de aluguel
roteiro: Tracy Letts
direção: William Friedkin
4.5 out of 5 stars

(resenha publicada originalmente no Vórtex Cultural, em 09/05/2013)

Dirigido por William Friedkin (Possuídos e O Exorcista) e estrelado por Matthew McConaughey, Emile Hirsch e Juno Temple, o filme foi exibido no Festival de Veneza de 2011. Chris Smith, 22 anos, é um traficante de drogas azarado, mas as coisas ficam ainda piores quando ele contrata o surpreendentemente charmoso matador de aluguel, Killer Joe, para matar sua própria mãe e pôr as mãos em sua apólice de seguro de vida de $50.000. Sem dinheiro algum, Chris concorda em oferecer sua irmã mais nova, Dottie, como garantia sexual em troca dos serviços de Joe até receber o dinheiro do seguro. Quer dizer, se ele realmente receber.
(sinopse oficial – fonte: www.californiafilmes.com.br)

killer joe

Este é o tipo de filme que, ao seu término, deixa o espectador na dúvida. Não dá para dizer se gostou ou não, porém não dá para negar que causa uma impressão que custa a se dissipar. O humor negro que permeia todo o filme, a sensação de conhecer talvez a família mais estúpida e desajustada da história do cinema, a certeza de ver a melhor atuação de McConaughey até hoje e uma sequência final de tirar o fôlego são apenas alguns dos elementos que fazem deste um filme difícil de descrever em palavras.

Há nudez, violência física e verbal, falta de escrúpulos e de expectativas num universo obscuro e deprimente em que as pessoas moram em trailers, com um cão ladrando acorrentado durante toda a noite, com uma tv ligada todo o tempo passando aparentemente sempre a mesma programação. E Friedkin apresenta isso logo na sequência de abertura, à noite e sob a chuva, esfregando – quase literalmente – na cara do espectador a depravação do mundo em que vivem os personagens.

killer joeA trama em que os personagens estão enredados é praticamente uma tragédia anunciada. O público assiste sabendo que algo ruim irá acontecer. E acontece. Mas acontece muito mais do que era esperado. No último terço do filme, através da expressão truculenta e insana de Killer Joe, Friedkin parece se dirigir ao espectador: “Você estava esperando violência? estava aguardando a tragédia? Então, agora aguenta aí.” E o espectador não é poupado de cenas cada vez mais perturbadoras, daquelas que dão vontade de desviar o olhar.

A estória é bem estruturada, apesar de simples. Mas a força está mesmo nos personagens, complexos e bem desenvolvidos. Apesar do aparente exagero nas tintas, a ótima performance do elenco torna-os totalmente verossímeis. Há Chris Smith (Emile Hirsch), o jovem traficante, totalmente gauche na vida, que já foi expulso de casa pela mãe, por tê-la agredido. Seu pai, Ansel Smith (Thomas Haden Church), tão bronco e ignorante, cuja preocupação maior ao conversar com a atual esposa sobre a filha caçula é não esquecer o dinheiro para a cerveja. Sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), ingênua e totalmente alienada da realidade ao redor, cujo corpo adolescente é um misto de inocência e sensualidade. Sua madrasta, Sharla (Gina Gershon), uma quarentona enxuta (?), habituada a usar o corpo e o sexo para conseguir o que quer. E, finalmente, há Joe Cooper (Matthew McConaughey), o assassino de aluguel, detentor de um código de ética próprio e muito, muito educado. Mas educado de um modo assustador. A própria Dottie lhe diz: “Your eyes hurt” (“teus olhos machucam”). Contido, tem-se a impressão de que a qualquer momento ele irá surtar. E surta. E o mais assustador é que quando ele surta, apesar de parecer descontrolado, percebe-se que suas ações não são impulsivas, que ele ainda é senhor de seus atos. Enfim, uma atuação sem precedentes de McConaughey, que consegue revelar aos poucos a psicopatia do personagem.

E dessa mistura entre humor negro e insanidade, emerge uma comédia de erros de tons mórbidos que causa um estranhamento no espectador mas que valida toda a excentricidade do filme.

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