Comentários sobre filmes e séries de tv
 
"I smile, and I smile, and I smile."

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meteorologia: sol e céu azul
pecado da gula: pizza amanhecida
teor alcoolico: caipirinha
audio: cabulosocast #27
video: numb3rs

Melancholia (Melancolia) – 2011
Roteiro e direção: Lars Von Trier

Sinopse:
Justine e Michael estão celebrando seu casamento em uma festa suntuosa na casa de sua irmã e cunhado. Enquanto isso, o planeta Melancolia, está se dirigindo em direção à Terra.

me.lan.co.li.a
sf (gr melagkholía) 1 Psicose maníaco-depressiva. 2 Estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente. 3 pop O mesmo que vitiligem.

Uma das sensações que me deixa mais intrigada é terminar de assistir a um filme e não ter certeza se gostei ou não dele. Sei que isso parece um tanto estranho, mas já me aconteceu algumas vezes. A maioria dos filmes gera uma reação bem definida de gostar ou não. Dando exemplos recentes (e extremos):
– “Uau! filmaço! Quero assistir novamente!”, como “Drive”;
– “Pqp! Que perda de tempo!”, como “Prometheus”.
E, em alguns casos, há um estranhamento, um certo desconforto com o que acabei de assistir que faz com que eu não consiga dizer se gostei ou não. Com este filme foi assim. Depois de assisti-lo, ao ler alguns artigos sobre ele, percebi que minha reação fazia sentido, pois enquanto alguns o elogiavam, alçando-o ao nível de obra-prima, outros o execravam, chegando a afirmar que seria responsável pelo naufrágio da carreira do diretor.

Quando do lançamento do filme em Cannes, além do escândalo causado pelas declarações de Von Trier, li apenas que era um filme sobre o fim do mundo. Estranhei, principalmente por saber quem era o diretor. Não me parecia um assunto que esse diretor abordaria. Depois, pouco li sobre o filme. Até que sábado, zapeando, peguei-o iniciando no TC Cult e resolvi assistir. Fui assistindo e, de modo algum, parecia que tinha algo a ver com o fim do mundo. Percebi depois, ao baixar o filme para terminar de assistir, que a sequência inicial dava pistas do que estava por vir. Mas eu não a havia visto, pois começara a assistir ao filme passados mais ou menos 10 minutos do seu início. Sendo assim, deixei de lado a ideia de fim de mundo, já que aparentemente não tinha qualquer relação com o que via na tela – a primeira parte do filme são cenas de um casamento.

Filmes sobre o fim do mundo comumente pendem para o estilo filme-catástrofe, com os americanos chegando para salvar o dia. E este simplesmente não se encaixa nisso. Não há militares, nem cientistas, nem cenas de ação frenética. Ao contrário, o ritmo é lento, quase arrastado. Porém, se senti sono ao assistir, não se deveu a isso. A idade avança e já não temos tanta disposição para ficar acordados até de madrugada e não sentir sono em excesso no dia seguinte. E foi o que houve. Desliguei a tv, faltando ainda uma hora para o término do filme, mas de modo algum estava entendiada ou achando-o extremamente chato (como li em alguns comentários pela web).

O filme todo é um estudo de personagens. O fim do mundo, a colisão de Melancolia com a Terra é apenas um pretexto para o diretor dissecar a personalidade de cada um deles e provocar no espectador um questionamento: “E eu? Como reagiria numa situação dessas?”. Dividido em duas partes, nomeadas com os nomes das irmãs, Justine e Claire (Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, respectivamente), o filme inicia-se com um prelúdio. Cenas oníricas quase estáticas, em slow motion – quase um slide show -, ao som de “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner. Um flash forward do epílogo, uma preparação do espectador para o que o espera.

A opção do diretor pela “câmera na mão” mostrou-se bastante eficiente, principalmente durante a primeira parte, na festa de casamento. Diferente de alguns outros filme em que esse recurso foi utilizado, o espectador não tem a impressão de estar assistindo a uma filmagem feita com a câmera na mão – como “[Rec]” ou “The Blair witch project”, por exemplo. A impressão exata é a de ser mais um conviva, já que a câmera acompanha os personagens focando-os e mudando a direção do olhar como uma pessoa faria. Quando estamos num ambiente com muitas pessoas, nosso olhar vagueia, não exatamente a esmo, mas de maneira incessante, olhando ora para um ora para outro, focando alguém mais afastado, virando-se ao ouvir um comentário. E a movimentação de câmera reproduz isso fielmente.

No primeiro ato, o foco da narrativa é Justine, recém-casada com Michael (Alexander Skarsgård – sim, é Eric Northman de “True blood”). Acompanhamos sua festa de casamento, organizada pela irmã e patrocinada pelo cunhado, John (Kiefer Sutherland, de “24 horas”), na mansão (quase um castelo) destes. Tanto pelo comportamento de Justine quanto pela preocupação constante dos demais em saber se ela está feliz, percebemos que ela tem problemas. Não é a mocinha despreocupada, alegre, curtindo sua festa de casamento. Há sempre uma sombra em seu olhar, uma tristeza velada em seu modo de falar, uma sensação de deslocamento mal-escondido em suas expressões e atitudes. Não é difícil concluir que ela tem tendências depressivas. Nota-se que ela não está nem satisfeita nem realizada com a festa e, pior, nem com o casamento em si.

Enquanto a câmera passeia pela festa, acompanhamos os conflitos naturais de reuniões como essas, descobrindo a cada altercação uma faceta dos personagens.Vemos o pai da noiva, Dexter (John Hurt), que chama todas as mulheres de “Betty”, demonstrando sua indiferença e provando que para ele todas são as mesmas, aliás, que todas são os mesmos objetos. Constatação que justifica a exasperação da ex-esposa, Gaby (Charlotte Rampling), que, devido à sua experiência vê o casamento da filha como algo que conduzirá ao desastre. Vemos a insistência de John em frisar o quanto gastou com a festa e que, por isso, tudo tem de dar certo. Enquanto Claire esforça-se para cumprir o cronograma, tentando fazer com que as pessoas se comportem conforme o esperado, seguindo o que foi previamente definido pelo organizador de eventos contratado. E o que se iniciou como uma comemoração degringola para uma lavação de roupa suja entre os convivas.

No segundo ato, o foco passa a ser Claire e seu núcleo familiar. À medida que Melancholia se aproxima da Terra, o espectador vê as reações diversas ante a possibilidade da morte iminente. John, astrônomo, o homem da ciência, está tranquilo, já que todas as análises apontam que Melancolia apenas passará pela Terra, assim como passou por Mercúrio e Vênus. Ele tenta confortar Claire que, aflita após ler e ver várias reportagens sensacionalistas, acredita que o fim do mundo se aproxima junto com Melancolia. Ela disfarça seus temores apenas para não amedrontar o filho pequeno, Leo, que, apoiado pelo pai, encara tudo como algo saído de um conto de fadas. Justine, acolhida pelo casal durante uma crise depressiva, não esboça qualquer reação inicialmente. Apática, parece não ter interesse algum no evento.

Aos poucos, o espectador acompanha quase uma inversão de papéis. Claire, antes tão forte e centralizadora, entrega-se ao desespero, deixando entrever sua insegurança enquanto o planeta faz-se cada vez mais vísivel e mais presente no céu. Justine, antes depressiva e aparentemente alienada, torna-se novamente senhora de si e encara tudo com a serenidade que falta à irmã. Não se sabe exatamente qual das crenças ela abraça. Se, assim como Claire, acredita que o mundo irá acabar e vê nisso uma saída, uma solução para sua vida sem perspectiva. Ou se, assim como John, acredita nos cientistas e aguarda placidamente para assistir à passagem do planeta com o sobrinho, como nós aguardando para presenciar um eclipse solar.

Todo o elenco está muito bem. Mas é inegável o destaque de Kirsten Durnst, a premiação em Cannes foi mais que merecida. Com uma personagem que, devido à sua personalidade, poderia facilmente cair na caricatura e no exagero, Durnst entrega uma atuação impecável, repleta de nuances. devo admitir que nunca a achei uma grande atriz, porém, como aprendi num curso há pouco tempo: “Penso, logo mudo de ideia”. Achava suas atuações medíocres, beirando a apatia, tanto que mal me recordo dos filmes em que atuou. Mas neste filme, fui agradavelmente surpreendida por uma performance primorosa.

Enfim, se você se amarra em filmes de fim do mundo no estilo “Armageddon”, “Independence Day”, “Impacto Profundo”, ou seja, ação do começo ao fim, sem tempo para o protagonista respirar, “Melancholia” não é um filme que irá agradar muito. A probabilidade de achá-lo chato é grande. Se estiver a fim de curtir uma experiência cinematográfica que exige dedicação do espectador para ser desfrutada em sua totalidade, este filme é uma ótima pedida.

P.S.: Caso alguém continue curioso sobre a minha opinião, depois de escrever tanto sobre o filme cheguei à conclusão de que “sim, eu gostei”.

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