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Le salaire de la peur

Le salaire de la peur

Le salaire de la peur (1953) – O salário do medo
roteiro: Henri-Georges Clouzot, Jérôme Géronimi
direção: Henri-Georges Clouzot
4 out of 5 stars

(resenha publicada originalmente no Cine Masmorra, em 11/03/2013)

Sinopse:
Mario (Yves Montand) é um estrangeiro que passa maus pedaços na América do Sul e deseja voltar à França. Recebe uma proposta de uma empresa petroleira americana para que, junto com outros três homens, igualmente estrangeiros, transportem um carregamento de nitroglicerina em dois caminhões por estradas esburacadas.
(fonte: Wikipedia)

le salaire de la peur

O mote é simples, mas em como em muitos casos, a simplicidade bem explorada rende um filme de qualidade. O foco da narrativa é, sem dúvida, a tensão causada pelo transporte da nitroglicerina em praticamente dois terços do filme. Contudo, esse suspense que prende o público à cadeira – mesmo que inventivo demais em alguns momentos – só funciona bem porque o primeiro terço do filme preocupa-se em humanizar os personagens e aproximá-los do espectador.

salaire-de-la-peurA primeira cena do filme é chocante. Resume a condição desumana em que vivem os habitantes desse pequeno vilarejo localizado no meio do nada em algum país da América do Sul. Vê-se um garoto brincando com insetos – besouros, baratas ou algo similar – no meio de uma rua de terra. É clara a intenção do roteiro de mostrar a realidade miserável do lugar. Contudo, além da crítica social, além da denúncia da exploração capitalista – personificada pela companhia petroleira norte-americana (SOC) – está a estória desses imigrantes que, sem trabalho, aceitam qualquer oferta, qualquer trabalho, por um valor que não paga o risco a que estarão expostos. Dinheiro que pretendem utilizar para retornar a seus países de origem – há italianos, franceses, alemães, entre outros – abandonando a tentativa (ou ilusão) de viver e enriquecer num país tropical. É essa contextualização que sensibiliza o espectador e o faz se interessar pelo destino de quatro dos imigrantes através das estradas esburacadas que ligam a pequena vila ao poço de petróleo explorado pela SOC.

É fato que depois que os quatro sobem nos caminhões – Mario e M.Jo (Charles Vanel) em um, Luigi (Folco Lulli) e Bimba (Peter Van Eyck) em outro – o foco passa a ser o transporte da nitroglicerina. Cem minutos de tensão quase ininterruptos acompanhando os personagens frente a obstáculos ordinários – troncos, buracos, pinguelas – que, pela situação sui generis em que se encontram, tornam-se quase intransponíveis. O espectador dificilmente terminará de assistir sem ele mesmo dar mostras de cansaço.

A quase inexistência de trilha sonora também é um fator que contribui para a ambientação e, consequentemente, para a tensão. A maior parte dos sons é diegética, principalmente durante a viagem, em que se ouve o tempo todo ao fundo o som do motor do caminhão. E é sabido que sons graves, de baixa frequência, são associados a perigo – basta lembrar de Jaws: antes mesmo da famosa sequência de notas composta por John Willians ser ouvida (por si só assustadora), o espectador já está tenso devido ao uso de sons de baixa frequência quase inaudíveis.

le salaire de la peur

É necessário salientar que o elenco é o responsável por fazer o público “comprar” a ideia, apesar de algumas dificuldades serem nitidamente exageradas além do que seria plausível. Não é à toa que Vanel foi premiado em Cannes por sua performance. E Montand também não fica atrás em qualidade de atuação. A interação entre os personagens merece ser destacada. Importante notar como a dinâmica entre eles se altera no decorrer do filme e passa a ser mais um elemento de tensão durante a viagem. Mario é inicialmente quase um capacho de M. Jo, um cachorrinho esforçando-se para agradar o mestre, enquanto M. Jo posa de valentão e poderoso mesmo sendo tão pé-rapado quanto Mario. Durante a viagem, os papéis se invertem. M. Jo vai se acovardando ante às dificuldades à medida que avançam, enquanto Mario torna-se o “macho alfa”, passando a tomar as decisões e a dar ordens. M. Jo deixa-se dominar totalmente pelo medo, permitindo que a antevisão do risco iminente, do perigo constante o consuma e o transtorne.

Mario
O chefão ficou morrendo de medo. Um Al Capone do tipo acovardado. Está morto de medo. Você é um maricas!
Jo
Se você soubesse o que já passei.
Sei o que isso significa. Você se arrisca imprudentemente. Você não tem imaginação. Vejo cada seixo e cada buraco. Morri mil vezes desde ontem à noite. Vejo a explosão e me vejo partindo em pedaços. Eu tenho um cérebro na cabeça. Vai acabar pendurado numa árvore. Como as folhas mortas.

Enfim, é um drama, um suspense, um ótimo estudo de personagens. Um prato cheio para os apreciadores da sétima arte.

http://www.youtube.com/watch?v=KWY77rqoBoI

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